Pouco propenso a escrever neste final de ano, muito
por culpa do desatino de uma crise que transformou dez milhões e meio de
portugueses num bando de “troikados” a quem se vai retirando, pouco a pouco, a
alegria e o futuro, lembrei-me de trazer até aqui, como crónica de passagem de
ano, um texto escrito há precisamente 11 anos, numa época em que mantinha na mailing
list da Briosa uma rubrica intitulada Penedo d@ Saudade, denominação que
viria depois a adoptar para este blogue.
31 de Dezembro de
2001
Caros amigos,
De férias no centro
do país, escrevo a crónica de hoje à mesa de um café de Aveiro, enquanto tomo
uma bica e passo os olhos pela “Visão”. A capa da revista exibe um relógio-despertador,
quase a disparar, com uma moeda de 1 euro no lugar do mostrador.
Os euros vêm aí!
Daqui a 15 dias ninguém falará já de escudos. A malta irá trocá-los a correr,
com a mesma velocidade com que substituiu as matrículas dos carros, inclusive
aquelas que, pela idade do veículo, não eram obrigadas a seguir para o lixo.
Mas a malta é assim. Gosta de virar depressa as páginas da integração europeia,
como se tivesse medo de ficar à porta. Viva a CEE! Abaixo o Escudo!
Aliás, se virem bem,
os escudos sempre foram mal-amados. Tal como os seus filhotes, os centavos.
Escudos e centavos são palavras duras, sem musicalidade e, como tal, nunca entraram
bem no nosso léxico do dia-a-dia. Ainda hoje, quando o escudo vai acabar,
continuamos a dizer “vinte e cinco tostões”, “sete e quinhentos”, “dez mil reis”,
“cem paus” e “cinco contos”. O escudo nunca conseguiu impor-se verdadeiramente
ao “milrei”. Os centavos, mesmo às dezenas, nunca levaram de vencida os
tostões. E os contos, talvez por serem contos de reis, sempre nos embalaram
melhor que os milhares de escudos da República.
O escudo não me
deixa saudades por aí além. Saudades tenho, isso sim, da moeda de 25 tostões,
essa maravilha da técnica numismática que, paradoxalmente, conseguia tornar um
preço de 7$50 mais redondo que um de 7$00 ou de 8$00!
A moeda mais pequena
de que me lembro era a de 10 centavos, o tostão. O tal do vinho “em cima de
melão”. A moeda, que era originalmente de cobre, teve de ser substituída por
uma de outra liga – os “marcelinhos” – quando o valor do metal superava já o
seu valor facial. Antes disso, havia já quem as fundisse para fazer pratos
címbalos para baterias.
Com 1 tostão se
compravam os chamados “rebuçados de tostão”, que vinham enrolados em jogadores
de futebol que se trocavam ao “abafa”. Com 2 ou 3 tostões, já não me lembro ao
certo, se comprava o alívio de tomar assento na sentina da Sereia, quando em
prolongadas tardes de estudo ao ar livre nos dava a tremideira antecipada dos
exames.
Com 4 tostões (um
cruzado) se comprava, durante décadas a fio, um papo-seco; ou um bico, que
queria dizer a mesma coisa. Com 5 (uma coroa) se mandava um postal e se fazia
uma chamada local sem limite de tempo. Barato namoro...
Com 7 tostões se ia
de eléctrico até à Baixa, sendo que para regressar à Alta eram precisos 8, o
que era já muito dinheiro! Mas, felizmente, “aquele outeiro era mais fácil de
descer que de subir” e, por via disso, os eléctricos para cima seguiam cheios;
e a malta podia subir a Sá da Bandeira escondida no estribo, fazer de conta que
entrava na Praça da República e poupar com isso 1 tostão, já que, da Praça da
República para cima se viajava por 7 tostões apenas. Maravilha!...
Com 10 tostões se
estampilhavam as cartas. E esse preço cristalizou-se de tal maneira que, ainda
hoje, quando em casa pretendo selar um subscrito para o correio, tenho por
hábito perguntar por onde andam os selos de 10 tostões (ou seja, os selos de
cinquenta e tal escudos).
O papel selado,
esse, custava 5 escudos (e nunca 5 mil reis, que com a República não se brinca!).
E, a partir daí, resta lembrar que o Combinado N.º 1 ao balcão do “Mandarim” ou
do “Casanova” andava pelos 9 escudos, no final dos anos 50, tendo subido ao
longo da década de 60 até aos 12$50. A bica rondariam os 10 tostões e o fino
talvez andasse pelos 15 ou 20. E quem preferisse comer na mesa, sempre poderia
deixar uma “croa de gorja pò Sô Talina”.
Até aqui, todos os
“Penedos” focaram sempre temas ligados à Académica, à cidade de Coimbra ou à
sua Academia. O de hoje saiu ao lado. Mas, para que não fuja totalmente à
regra, só preciso do vosso fio-de-beque. É que, por muito que puxasse pela
memória, não me consigo recordar do preço das quotas de sócio da Briosa, nos
idos anos de 50 e 60. Quem ajuda?
É hora de acabar a
crónica. Peço para pagar a bica, ou melhor, o aluguer da mesa. Como estou num
café fino, a conta reza assim: 1 café – Esc. 120$00;
Euro 0,60.
120 escudos por 1
café? Bolas! Prefiro pagar em euros!
Um abraço e um bom
ano a todos... com muitos euros.
Zé Veloso
… … …
É estranho, não é? Que diferença entre o estado de espírito
que existia no final de 2001 e aquele que hoje se respira! Em onze anos, apenas,
passámos da euforia do euro – que tudo iria resolver – à descrença num euro que
nos está a sufocar!
Deixando para trás o texto despreocupado de 2001 e voltando, preocupado, ao dia
de hoje, aqui ficam os meus votos para que em 2013 o escudo continue morto e
enterrado, por muitos e belos anos, mas se criem condições para que não esteja o
euro a sufocar-nos a todos por muitos mais anos ainda.
Um abraço e um bom ano para os leitores do Penedo
d@ Saudade.
Zé Veloso