17 março 2014

IN ILLO TEMPORE – SEMPRE JOVEM, 112 ANOS DEPOIS!

In illo Tempore – no seu título original, In illo Tempore. Estudantes, Lentes e Futricas – é, porventura, o mais reeditado e mais lido livro de memórias de um estudante de Coimbra. A primeira edição, da Livraria Aillaud & C.ia Paris-Lisboa, data de 1902 e é listrada com fotografias várias de desenhos de António Augusto Gonçalves
O seu autor, José Francisco Trindade Coelho, nasceu a 18 de Junho de 1861 no Mogadouro e frequentou a Faculdade de Direito da U. C. de 1880 a 1885. Naquele tempo, Trindade Coelho estudou praticamente à sua custa, já que o pai lhe cortou a mesada depois de um chumbo logo no 1.º ano. Para tanto, foi “sebenteiro”, deu explicações e trabalhou como jornalista.
O seu livro revela um apurado sentido de humor e uma extrema jovialidade, que não seriam de esperar na personalidade de alguém que teve de estudar a pulso e cuja vida profissional viria a ser bastante complicada. Dá ideia que, enquanto escreve as suas memórias, Trindade Coelho se vinga e liberta das injustiças de uma vida na qual já não se sentia bem e que cedo decidiria abandonar, suicidando-se em Lisboa, a 9 de Agosto de 1908, ou seja, 6 anos apenas depois de ter feito sair um dos livros mais bem-dispostos que me foi dado ler!
In illo Tempore foi ao longo de todo o último século um best-seller e é, ainda hoje, de leitura obrigatória para quem queira conhecer a vida académica de Coimbra dos finais do séc. XIX (e, até mesmo, do rodar para o séc. XX, já que Trindade Coelho nos relata também alguns factos ocorridos entre a sua saída da Universidade e a edição do livro).
Ali se evocam episódios da vida académica, das aulas, dos exames, das estúrdias, da praxe, das lutas políticas de então, da vida citadina, da vida universitária, dos estudantes, dos lentes, dos futricas, das tricanas, das brigas, dos amores e desamores, cuja leitura nos conduz até à maneira de viver da Academia, aos seus costumes, aos seus tiques e às suas gentes.
Ali se reproduz uma profusão de poemas e prosas satíricas, entre os quais A Niveleida – onde os “polainudos” arrasam a “briosa” – e o poema de resposta dos “briosos” aos “polainudos” – A Bolha – numa época em que a bola de futebol ainda não tinha chegado a Portugal mas onde em Coimbra já havia uma “Briosa”.
Ali, em cerca de 30 capítulos, de meia dúzia de páginas cada, se passam em revista temas como a Festa das Latas, o Saraiva das Forças, o Orfeon Académico, a vida nas Repúblicas, os cafés da Alta, o Centenário da Sebenta, as fogueiras de S. João, a cabra, as récitas dos quintanistas, tudo nos sendo contado em jeito de estória à hora do café, com graça, espírito crítico, algum veneno e bastante detalhe.
Para "cheirarmos" um pouco o estilo de escrita de Trindade Coelho, aqui fica uma passagem deliciosa do capítulo “ASebenta”:
«No tempo em que eu andava em Coimbra, ainda a boa e imortal sebenta reinava em todo o seu esplendor! Eu nem fazia sequer ideia, ao chegar a Coimbra, do que vinha a ser isso da sebenta; mas, industriado logo a tal respeito, vim a saber que era uma espécie de folhinha litografada, formato 8.º, que saía todos os dias compendiando a explicação do lente; que se chamava “sebenteiro” ao que a redigia; que custava sete tostões por mês cada uma; que eram três em cada ano, visto as cadeiras em cada ano serem três; e, finalmente, que, enquanto o lente explicava a lição para o dia seguinte, só o sebenteiro ouvia o lente, e que os mais, todos, e eu portanto, podiam muito bem ler o seu romance, fazer o seu bilhetinho e passá-lo ou comentar os que vinham dos outros – ou então, se preferíssemos, dormir ou fazer versos!
Não havia nada de melhor! Além disso, algumas metiam também as suas piadas; outras davam caricaturas – e sebenteiro havia que amenizava por tal forma aquela estopada, que até dava versos para o fado no fim de semana, e convocava os discípulos, em anúncios, para trupes aos caloiros, ou outras pândegas!»
Dada a sua avançada idade, In illo Tempore é hoje facilmente consultável na internet, podendo ser lido a custo zero. Mas, para mim, a obra vale bem o esforço de aquisição de um volume que ainda exista pelos alfarrabistas, se uma nova edição não aparecer, entretanto, no mercado.
Boa leitura… ou releitura!
Zé Veloso

1 comentário:

  1. Creio que vou reler o«In illo Tempore» porque já o li...in illo tempore!
    Fernanda Marto

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